quarta-feira, 8 de agosto de 2007

horas mortas para matar o tempo


Até o relógio do Arco da Rua Augusta deixou de marcar este tempo vazio de acontecimentos. Está em restauro e só voltará à actividade em Setembro. Os lisboetas irão ter horas mais certas na rentrée. E vão ainda ter a oportunidade - os que não gastarem o subsídio de férias todo até lá - de adquirir o relógio de pulso comemorativo que será lançado por ocasião da re-inauguração. Para saber mais sobre o restauro, a página dos especialistas: http://www.cousinha.pt/

6 comentários:

O Pai disse...

Olá M.

Parabéns por este novo espaço. Relativamente ao arco da Rua Augusta e do seu relógio, podia ser interessante contar um pouco da sua história e da lenda que lhe está associada.

Reza, que o relojoeiro que criou este relógio foi mandado cegar para que não pudesse fazer uma obra de arte idêntica. Este pediu para (mesmo depois de cego) se deslocar ao relógio e acertar um pequeno mecanismo para que não se atrasasse. Efectuou uma pequena alteração que conduziu à paragem do equipamento. Durante largos anos o belíssimo relógio não funcionou mais.

Será que é verdade ? ? ?

Maria Eduarda Colares disse...

Olá, pai! Obrigada pela visita. Bela sugestão, vou ver o que se encontra sobre essa história cruel.
beijinho

Ana Paula Sena disse...

Muito bonito, o blog! Muitos parabéns! E desejo que o desenrolar deste blog seja o melhor! :) Por outro lado, estou certa de que assim vai ser... :)
Beijinhos!

Maria Eduarda Colares disse...

obrigada, ana paula. beijinhos

Fernando Correia de Oliveira disse...

bom dia
a lenda do relojoeiro cego prende-se com o relógio astronómico de praga e não passará disso, de uma lenda.
quanto ao relógio do arco triunfal da rua augusta, eis um pouco da sua história:
O Tempo e o Poder em Lisboa

Fernando Correia de Oliveira*

Tempo é poder e quem detém o poder quer marcar o tempo. Foi sendo sempre assim, ao longo da História, e Portugal não é excepção. Quanto mais concentrado o poder, fosse ele religioso ou civil, mais unificado o tempo, através de marcadores simbólicos que regulavam os anos, os dias, as horas da comunidade, os ritmos de trabalho e ócio, de reza e de divertimento.
Lisboa, conquistada aos mouros em 1147, é feita capital do reino em 1256 e, a partir de então, com o rei e a corte a viverem na cidade, ganham importância o tempo e os seus medidores instalados nesta margem do estuário do Tejo.
Quando falamos de medidores de tempo, estamos a falar, nessa época, da chamada relojoaria férrea ou grossa. De mecanismos pesados, usando como força motriz cordas enroladas e com pesos suspensos, vindo daí a expressão ainda hoje usada: “dar corda ao relógio”. Mecanismos metidos em armaduras de ferro, daí a expressão “relógios de gaiola”, e nesses primeiros tempos sem a utilização de parafusos para a sua fixação, daí dizer-se que eram do tipo “cavilhado”. Com escape tipo “folliot”, uma espécie de serra que ia soltando os seus dentes de forma mais ou menos ritmada, numa régua que se ia movendo de um lado para o outro, permitindo antes do mais o toque de sinos e não tanto o mostrar as horas.
Não se sabe ao certo quando é que os relógios mecânicos foram introduzidos em Portugal, embora seja provável que tenham vindo com as ordens religiosas que ajudaram a dar forma ao território no tempo da Reconquista.
De qualquer modo, em 1377, a Sé de Lisboa tinha uma torre de relógio, batendo sinos, um mecanismo financiado em partes iguais pelo rei, D. Fernando, pelo Cabido, e pelos homens bons da urbe. Terá sido o primeiro relógio mecânico na capital, feito e mantido por um certo “mestre João, francês”, e sintomaticamente erigido pelos três poderes – nobreza, clero e povo. Como seria normal na altura, esse relógio não teria mostrador – servia para “bater” horas e não para as mostrar. Regulava mais a vida religiosa do burgo do que outra coisa, mas servia também para indicar a hora de recolher a casa, o fechar de portas dos bairros onde viviam as várias minorias – judeus, mouros, através do toque do chamado sino da colhença.
Nesses tempos, quando se comprava um relógio, contratava-se também para toda a vida o relojoeiro que o tinha feito ou algum seu aprendiz, que eram pagos com dinheiro mas também com azeite, que servia para “temperar” o mecanismo, o termo então usado para significar o olear de rodas dentadas e outras peças móveis.
Com D. Manuel I, e a construção do Paço da Ribeira das Naus, o tempo de Lisboa passava a ser mais regulado pela torre do relógio que aí passou a existir e a função de relojoeiro do Paço passa a constar das listas de funcionários. O tempo torna-se cada vez menos sagrado, cada vez mais profano. A primeira imagem desse relógio do Paço data de 1520, já com mostrador, mas apenas com um ponteiro, pois os mecanismos da época eram pouco exactos e o ponteiro dos minutos não fazia grande sentido quando os desvios diários eram enormes.
Com o dinheiro do ouro do Brasil, D. João V mandou reformular o Paço da Ribeira e encomendou uma torre do relógio ao arquitecto italiano Canevari. O edifício ficou rapidamente célebre não só em Lisboa como em todo o país, pela sua opulência e pela qualidade do mecanismo do relógio ali instalado (possivelmente de origem flamenga, como os dois extraordinários exemplares que o rei encomendou para o Convento de Mafra). Forasteiros vindos de toda a Europa também faziam notar o esplendor barroco desta torre.
Mas o terramoto de 1755 faz desaparecer parte de Lisboa, incluindo a torre de Canevari e o que resta desse tempo é um painel, hoje no Museu do Azulejo, onde o Paço e o efémero relógio aparecem.
A reconstrução da capital, sob a direcção de Pombal, previa uma praça esplendorosa em redor do que havia sido o Paço e um projecto de Carlos Mardel contemplava um enorme arco triunfal, com relógio. Isso não passou do papel e o que é hoje o Terreiro do Paço é bem diferente e demorou quase um século a ser feito.
Quanto ao Arco da Rua Augusta, tal como hoje o vemos, terá recebido em finais do séc. XIX um mecanismo vindo do Convento de Jesus, que “não estava preparado para indicar as horas para o lado da rua”, segundo relato da época. Ou seja, era um relógio apenas para “bater” horas.
Foi Augusto Justiniano de Araújo, o fundador da Escola de Relojoaria da Casa Pia de Lisboa, quem o adaptou, substituindo o escape de “folliot” por um de âncora, e o relógio passou a dar e a “bater” as horas aos alfacinhas a partir de 4 de Dezembro de 1883.
O lema de Augusto Justiniano de Araújo era: “Todos os relógios têm concerto”. Pois o Diário Popular de 7 de Dezembro de 1883 dava prova disso, numa local:
“No dia 4, às 7 da noite, ficou completo o assentamento do relógio do arco da rua Augusta. Este relógio é de construção nacional e do estilo do século XVIII. Era do antigo convento de Jesus e não estava organizado para indicar as horas para o lado da rua.
“As modificações para este fim foram feiras pelo sr. Araújo, relojoeiro estabelecido na rua da Boa Vista, nº 164, 1º, assim como o escape que o mesmo artista inventou e que denominou escape Araújo.
“O relógio tem sido visto por muitas pessoas competentes, que são unânimes em considerá-lo um trabalho perfeito, tanto no escape como nas outras disposições.
Coadjuvaram gratuitamente o sr. Araújo nos trabalhos de assentamento alguns distintos membros da direcção da sociedade de relojoaria de Lisboa, e outros cavalheiros dos principais instrumentistas de precisão, da escola do instituto industrial de Lisboa”.
Peripécias várias, avarias, levaram à substituição do relógio já no séc. XX, por uma máquina da autoria de Manuel Francisco Cousinha, um dos grandes construtores nacionais de relojoaria grossa, férrea, de torre ou monumental. Que por sua vez tem tido hiatos grandes em que está parado. Como agora.
A manufactura suíça Jaeger-LeCoultre vai financiar o restauro e manutenção do relógio do Arco da Rua Augusta e quem fará esse trabalho é um neto de Cousinha.
Com os seus Ministérios e funcionalismo público, símbolo da centralidade e do poder até aos nossos dias, o “Paço” alfacinha voltará assim a ter um relógio que marcará o tempo da comunidade.

*Jornalista e investigador do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades

Para saber mais, do mesmo autor:
- História do Tempo em Portugal – Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003)
- Cronologia do Tempo em Portugal (Lagonda, 2004)
- Relógios e Relojoeiros – Quem é Quem no Tempo em Portugal (Âncora, 2006)

ao dispor
www.fernandocorreiadeoliveira.com

Maria Eduarda Colares disse...

meu caro Fernando Oliveira, muitíssimo agradecida pela explicação. Com efeito andei a procurar e não encontrei nada sobre a tal lenda, mas ainda tinha esperanças. Quanto a si, sim, tinha encontrado, como referância obrigatória na matéria. Foi uma contribuição preciosa, que volto a agradecer.
Um abraço