
Grossman é um pacifista confesso e apoiou Israel durante o conflito com o Líbano, em 2006. No dia 10 de Agosto desse ano, ele e os seus camaradas de letras Amos Oz e A. B. Yehoshua participaram numa conferência de imprensa em que manifestaram ao Primeiro Ministro de Israel a urgência que se fazia sentir de um cessar-fogo que tornasse possível criar bases para uma solução para o conflito entre Israel e as forças do Hezbollah, no Líbano.
Dois dias mais tarde, o seu filho Uri, com 20 anos, foi morto no Líbano, numa operação militar.

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Segundo uma crítica da Los Angeles Times Book Review, “Em Carne Viva pode ser a mais estranha e triste história de amor alguma vez contada.”
E é verdade.
A história é simples. Yair vende livros raros. Um dia, numa reunião na escola, Yair vislumbra, muito de relance, uma mulher que lhe chama a atenção. Uma mulher discreta, sem nada que chame a atenção. Yair sente-se impelido a escrever-lhe uma carta arrebatada. É a primeira de uma troca de correspondência que os leva a uma intimidade muito mais profunda do que qualquer relação física. E no entanto ela apenas se realiza através de palavras.
Como é extraordinário o poder das palavras! Yair, a uma dada altura, conta a Miriam que pensara criar para o filho uma linguagem toda nova, feita de palavras cujos significados não estivessem contaminados, uma linguagem que lhe permitisse reinventar o discurso e criá-lo de novo, só com coisas boas.
O drama é que chega um dia o dia em que o que esperam de nós não é essa linguagem descontaminada e nova, mas uma linguagem que seja do uso de todos os outros e que quando esse dia chega é tarde demais para restituir às palavras o seu significado.
“Foram anos muito maus e eu insisti em escrever esta história sobre duas pessoas por sentir que a situação exterior era tão horrível e intrusiva, a invadir, a envenenar cada parte da nossa vida com medo e violência. Eu precisava de criar esta bolha de intimidade.” – declarou David Grossman em entrevista a Alexandra Lucas Coelho, no Público.
E é dentro de uma bolha de profunda intimidade feita de palavras que estas duas personagens – Yair e Miriam – vão desmontando as suas vidas reais, escalpelizando os sentimentos, dissecando os medos, autopsiando as esperanças mortas.

E é aí que chega David Grossman. Onde a faca penetra e não se contenta com a ferida que abriu. Para lá do suportável e do sofrimento das vidas feitas de uma argamassa estranha de caos e ordem que se sobrepõem continuamente e que vão encontrando palavras para definirem o impossível de definir. E quando alguém se esquece do significado das palavras, quando alguém “perde” as palavras, quando alguém deixa de se ligar com a realidade através do significado das palavras? Há dois caminhos, qual deles o mais terrível: não aceitar a a-normalidade e fingir para além da dor, ou restituir o significado às palavras nem que para tal seja necessária a mais dolorosa das mortes.
Bill Moyers, entrevistando David Grossman, Nova Iorque, aquando do lançamento do livro, afirma: “[em “Be My Knife” David Grossman] leva-me a um mundo diferente, um mundo onde eu nunca tinha estado”.
E não é um mundo agradável, apesar de “Em Carne Viva” ser uma bela história de amor, mas nem todas as belas histórias de amor são agradáveis. Ou poucas o serão.
